sexta-feira, 28 de outubro de 2016

'Poderei (r)existir, e ir, e vir, e rir...'

Tenho me pegado pensando no quanto a e o amor, mais que possíveis sentimentos (ou coisas, ou seres, ou invenções) semelhantes, são indissociáveis. Andam juntos, de mãos dadas e, quase sempre em suores e lágrimas, se misturam.

Rubem Alves diz que "fé é aquilo que uma pessoa que voa de asa delta tem de ter no momento de se lançar no espaço vazio [...] é uma atitude perante a vida, intraduzível em palavras. Sobre essa confiança nos lançamos sobre as incertezas. A fé só existe diante do abismo das incertezas. Quem tem certezas não precisa ter fé [...] Fico perplexo ao ver pessoas que têm certezas. Quem tem certezas é um idiota". Ele também diz que o amor nos assegura uma incerteza na vida: a da eternidade. O amor é livre por essência e quem o é, pode ir a qualquer momento. E o amor... bom, o amor deixa.
Ter fé e ter amor é afinar os nossos sentidos e aguçar cada sensação que cada um deles nos proporciona, mas quase nunca usá-los ao mesmo tempo. E, às vezes, nem usá-los. Por mais importantes e únicos que sejam, a gente simplesmente abre mão deles, não entende o porquê, e salta. De algum jeito, sem sentidos, faz todo sentido do mundo. 

Eis um fato sobre mim: sempre fui das letras, mas sou apegada a alguns números. Quase sempre por causa de datas e por um ritualzinho que faço com minhas agendas há alguns anos. Conto as minhas histórias com letras e números, lembro do tempo, depois esqueço e digo que é relativo. Alivia e esclarece minhas intensidades. Não sei ser de outro jeito. Sinto. Vivo. Escrevo. Conto. Esqueço. Sou mais das letras do que dos números, mas no final das contas, quase desisto, então (des)conto os danos e ainda sobra muita coisa pra sentir.

Há um ano eu estava de malas prontas. Toda errada: afogando as plantas e levando só camisetas pra uma cidade fria. Há um ano eu cruzava a imensidão levada pelo vento, carregando 20kg de aleatoriedades, alguns livros e planos, e uma cajuína de 2 litros. Há um ano entrei pela "última vez" em casa chorando saudades e medos. "E se eu não aguentasse?" "E se eu não conseguisse?" "E se tudo desse errado?" Não duvidei por um só segundo do amor - do que ficava e do que me esperava - e, agora, olhando daqui, um ano depois, percebo que eu não me conhecia tão bem, afinal, hoje sei que eu é que sou toda amor. Saber disso, naquele dia, talvez não diminuísse meu medo, mas com certeza aumentaria minha coragem. 

Fui. Rimei os planos, inventei uns sonhos e fui. Aprendi a cozinhar, a estudar durante o dia e a fazer economia. Aprendi a vibrar com pequenas coisas como fazer meu primeiro feijão, conseguir sair de casa sozinha, conquistar o amor de uma Baleia e entender como uma cerveja no final de um longo dia de trabalho pode ser uma boa ideia. Fui vivendo. Cada vez mais adaptada ao novo, cada dia mais saudosa. Acordando e vendo as coisas saindo do meu controle, dormindo depois de respirar fundo e pensar em outras possibilidades. Fui vivendo e já não sentia tanto frio, nem tanto medo. As provas, os encontros, o primeiro dia de trabalho. O sol batendo no vidro da janela, dez andares abaixo, chuva. O tempo pra conquistar novos abraços, os inúmeros "de onde é esse sotaque?" e os afetos. Os nãos, as más notícias, as perdas. O apartamento que já se tornara lar. O desafio de uma vida a dois (ou três, ou quatro, ou sete). O turno findando com acordes e letras sobre como tudo aquilo ia passar. As manhãs refletidas em vitrais coloridos de lágrimas. Uma queda no mar: os amigos. As companhias no café com pão antes da livraria abrir, a extensão do dia em jantares improvisados antes da noite acabar. Os primeiros natal, ano novo e aniversário longe de casa. A saudade, as raízes e as asas. Os dias longos, a mudança, o sol me esperando chegar em casa pra poder ir dormir. Sete quarteirões pra ir e vir, um disco inteiro no ônibus, a rotina. Num liquidificador no três e nos parques da cidade: fui me jogando, fui vivendo.

Se passaram quase seis meses e eu não podia contar nos dedos o quanto já havia aprendido. Aprender foi o verbo que virou lei e lição nos meus dias. Quase meio ano e os amadurecimentos, os afetos, os carrinhos com materiais escolares, os livros, as surpresas, as saudades, os abraços, as ligações pra casa, os prazeres, os domingos de folga, os almoços em (nova) família, os latidos, os cafés, as caminhadas... tudo, absolutamente tudo era intenso demais - mesmo quando aprendi a ser mais calma (não menos estressada) e viver tudo mais devagarinho - e não caberia contar em agendas. Os filmes, sim. Anotei todos. Foram quase trinta (recorde!!!) em pouco menos de três meses, quando a calma que eu aprendi precisou transformar-se em pausa, paciência e resiliência. A vida jogou os dados e eu precisei voltar algumas casas. Cruzei a imensidão mais uma vez e quase tudo estava diferente. Os abraços eram os mesmos e o cheiro de casa era bem como eu lembrava. Mas de alguma forma eu não cabia mais naquela cama de solteiro, o guarda-roupa tava cheio de bastante coisa vazia de mim e na primeira noite de volta planejei, pra hoje, um ano depois, mais uma volta.

E a vida foi seguindo como sempre faz independente de nós. Cheia de desafios e surpresas. Aprendi muita coisa naqueles quase seis meses, mas nada realmente prático estava me servindo nesses novos dias. Tive que aprender a segurar as pontas, engolir o choro e conter quatro crises de nervos num período de dois meses. Tive que reaprender a andar, a dormir e acordar, a rezar. Aprendi a cuidar de quem sempre me cuidou, a caminhar sozinha, a reviver minhas amizades. (Re)aprendi o quanto as amizades são importantes. E a vida foi seguindo... Até que o amor me fez viver na clausura de sua ausência - coisa que distância física nenhuma suporta a ingenuidade da comparação. Bem pior. Me restou a fé no seu mais puro estado: cega, pé-ante-pé na bamba ponte de corda e corrimão de flores que é a vida, esta que tão logo me condenou duramente com a mais doída das ausências: a morte. E foi quando eu senti que, de fato, nada mais seria como antes.

O verbo continuou. A vida e eu também. O que mais poderia ser feito, afinal?
Fiquei mais íntima da noite, mais atraída pela boemia e mais amiga dos meus. Hoje entendo mais sobre a saudade, mas ainda me acho ousada sempre que falo nela. Fiquei mais ansiosa e sonolenta. Aprendi a me alimentar melhor, mas não larguei o café. Vira e mexe ainda encontro alguns pedaços de mim pela casa; invariavelmente são coloridos, mas quanto mais os dias passam, mais fica distante a lembrança de como eles foram pintados. Tenho isso tudo anotado em papel de pão, mas finjo que esqueço e sigo. Passei a escrever poesias na vertical. Não consigo mais mergulhar nas pessoas como antes, mas acho que não deixei de ser profunda. O fato é que ainda não aprendi a nadar. Acordo todos os dias querendo tirar proveito de tudo e, de cada pessoa que chega e fica (por uma hora, um dia ou lá se vai um mês), só quero e ofereço o melhor que puder. Nunca mais serei inteira ou a mesma, mas dia desses tive a petulância de dizer que estou no meu melhor momento. Egoísmo puro, admito, mas é que eu nunca precisei tanto de mim como agora. 

Hoje, um ano depois daquela ida, sete meses e meio depois da volta, o dia em que, um dia, eu pensara em voltar, sinto a saudade mais menina que já senti até então. Cambaleia os primeiros passos, balbucia umas palavras inexistentes, não se controla... mas sorri quando o vento derruba folha e trás cheiro de jasmim. Sorri como se tivesse predestinada a fazer isso com maestria e como quando um dia eu disse tanto sobre mim sem entender direito, mas hoje faz muito sentido.

Um dia eu volto. Quase completamente diferente. Exceto por uma coisa: o amor. Essa fé toda bordada à mão, ao mesmo tempo latente e amena, segue sendo a minha deixa, o meu melhor jeito de me continuar.

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